Por dívidas, estádios vão a leilão e atraem poucos interessados
Disputa judicial, falta de investidores e pressão da torcida dificultam processo
Por: Folha de S. Paulo
Publicado em 12 de Julho de 2019 as 12:13 Hrs
Palco escolhido pelo Santos para brigar pelo título do Brasileiro de 2004, o estádio Benedito Teixeira, o Teixeirão, pela terceira vez vai a leilão em São José do Rio Preto (SP) devido a dívidas do América, afundado na quarta divisão do Campeonato Paulista.
Depois de sucessivas e fracassadas tentativas desde 2015, um dos leiloeiros nomeados pela Justiça anunciou o imóvel na OLX oferecendo-o como uma “área para empreender com 42.900 m²” por R$ 22,05 milhões.
“Tive mais de mil visitas [no site] em um dia, mas alguns me ligaram com raiva e vi como incomodei um monte de gente que se passou por torcedor. Dirigentes reclamaram que minha intenção era aparecer”, disse o corretor Júlio César Cardoso.
Diante dos fracassos, a Justiça autorizou parcelar a aquisição em até 30 vezes. A área de quase 43 mil metros quadrados, com as edificações, pode ser adquirida pelo preço mínimo de R$ 21 milhões. O América acumula R$ 10 milhões em dívidas trabalhistas com 134 ex-funcionários.
Clubes com mais tradição, Portuguesa, de São Paulo, e Náutico, de Recife, também vivem o drama de perder a "casa própria" por causa de dívidas. O mesmo acontece com os paulistas Comercial, de Ribeirão Preto, e União Barbarense, de Santa Barbara D’ Oeste.
Situados em áreas nobres da cidade, os estádios de futebol —boa parte edificações antigas do tempo em que a cidade ainda estava em formação— não despertam interesse de compradores por uma série de impasses. Entre eles, os riscos de uma eterna briga judicial, leis ou tombamentos que proíbem qualquer outra função que não seja esportiva e o alto custo para demolição de edificações.
Embora já estivesse penhorado por mais de R$ 55 milhões em ações trabalhistas, o Canindé, estádio da Portuguesa, foi a leilão em maio. O motivo é uma dívida de R$ 3,7 milhões com um empresário que cobra comissão pela venda do atacante Diogo para o Olympiakos, da Grécia, em 2008.
Avaliado em R$ 163 milhões, o Canindé podia ser arrematado por R$ 98 milhões, mas não houve nenhum interessado em fazer uma oferta. A área total da sede é de 42.350 m². Uma parte pertence à Prefeitura de São Paulo, que autorizou a venda.
O departamento jurídico da Portuguesa, porém, contestou a diferença entre o valor do débito (R$ 3,7 milhões) e o da avaliação. “Mesmo que fosse leiloado, continuaríamos a discutir a efetiva arrematação”, disse a advogada da Portuguesa Tatiana Morgado.
Além das contestações feitas pela representante legal do clube, a torcida agiu para dificultar a venda do Canindé. Em março deste ano, com abaixo-assinado com 5.000 assinaturas, torcedores foram até o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade (Conpresp) solicitar que o Canindé se tornasse patrimônio histórico.
O órgão tem até dois anos para uma definição. Em 2016, o próprio clube já havia recorrido ao Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), vinculado ao governo estadual, que arquivou o pedido.
Movimentos como esses geram incertezas e afastam interessados. “Os investidores procuram áreas desembaraçadas, pois já vão ser os responsáveis e o processo pode se arrastar por alguns anos”, disse Morgado. “Brigaremos para manter o Canindé, ele possui um valor histórico para a cidade de São Paulo e também para a cultura portuguesa.”
Em Recife, com o leilão da sede do Náutico —área de 41 mil m² que inclui quadra, piscina e o estádio dos Aflitos— em andamento, o Conselho de Desenvolvimento de Recife chancelou, no dia 17 de maio, o espaço como Imóvel Especial de Preservação (IEP).
“Foi uma das maiores conquistas do clube. São dívidas antigas, fruto de administrações desastrosas no passado, mas eu não queria ser o presidente do leilão”, disse Edno Melo, mandatário do Náutico.
Situado em uma das áreas mais nobres da capital pernambucana, o processo de leilão dos Aflitos para quitar débitos de R$ 6 milhões com Imposto de Renda continua em andamento na Justiça.
O advogado do Comercial, Fernando Augustus Teixeira, diz que o clube não tem condições de regularizar a situação e acredita que, por conta do tombamento do estádio, dificilmente aparecerá algum interessado no Palma Travassos.
O tombamento do estádio tem sido a válvula. No entanto, o dono do imóvel não pode promover grandes mudanças e deve manter a edificação semelhante ao projeto original. Para Teixeira, essa regra não oferece nenhum problema.
“Mesmo que queira modernizar, o Comercial não tem dinheiro, temos dificuldades até para tocar o futebol”, disse o advogado. “Nossa meta é conseguir investir nas categorias de base, readequar nosso orçamento para parcelar as dívidas e colocar as contas em dia.”
Em 2018, o Comercial disputou a última divisão do Campeonato Paulista. Neste ano, pela Série A-3 do Estadual, o time caiu nas quartas de final. Segundo Teixeira, a dívida judicializada do clube é de R$ 16 milhões.
Hoje na quarta divisão do estadual, o time do União Barbarense, campeão da Série C do Brasileiro em 2004 e do Campeonato Paulista do Interior em 1999, é o mais novo a percorrer a via-crúcis do processo de penhora.
O estádio Antonio Lins Ribeiro Guimarães vai ser inserido no próximo leilão eletrônico regional, segundo despacho da juíza da vara do trabalho de Santa Bárbara d’Oeste, Mari Angela Pelegrini, em fevereiro deste ano. Ela também pediu que o imóvel de 35 mil m² seja avaliado no processo que reúne cerca de 80 ações, num total de R$ 10 milhões.
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