STF e Dodge se enfrentam, e ministro prorroga inquérito sobre fake news por 3 meses
Investigação do Supremo só será enviada à PGR depois de 90 dias; até lá, procedimento será mantido sob sigilo
Por: Folha de S. Paulo
Publicado em 17 de Abril de 2019 as 15:45 Hrs
A Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal se enfrentaram nesta terça-feira (16) por causa do inquérito aberto em março pelo presidente da corte, ministro Dias Toffoli, para apurar fake news, ofensas e ameaças contra os ministros.
No início da tarde, a procuradora-geral, Raquel Dodge, enviou manifestação ao STF avisando o ministro Alexandre de Moraes, presidente do inquérito, sobre sua decisão de arquivar o caso.
Cerca de quatro horas depois, Moraes rebateu a manifestação, afirmando que ela não tem respaldo legal e que o inquérito prossegue. O ministro afirmou que a investigação foi prorrogada por Toffoli por mais 90 dias. Só depois desse período ela será enviada à PGR para conhecimento e eventuais providências solicitadas pelo órgão. Até lá, o procedimento é sigiloso, inclusive para o Ministério Público.
O ministro do STF Edson Fachin deu cinco dias de prazo para Moraes apresentar informações sobre o inquérito que apura as fake news. A decisão foi tomada após a Rede acionar o Supremo contra a censura aos sites — Fachin é relator nesta ação.
O enfrentamento entre PGR e Supremo se deu em meio a uma operação da Polícia Federal, ordenada por Moraes, que apreendeu computadores e celulares de sete suspeitos —um deles, general da reserva— de divulgar informações criminosas contra magistrados do STF.
No dia anterior, como parte do mesmo inquérito, o ministro determinou a retirada do ar de uma reportagem e de notas dos sites da revista Crusoé e O Antagonista —censura que provocou críticas de entidades jurídicas e de imprensa.
As notícias se referiam a uma menção feita a Toffoli pelo empresário e delator Marcelo Odebrecht em um email de 2007 —à época, Toffoli era advogado-geral no governo Lula (PT). No email não há citação a pagamentos irregulares.
O controverso inquérito sobre fake news foi aberto por Toffoli de ofício (sem provocação de outro órgão) no mês passado, num momento em que o Supremo esteve no alvo das críticas de procuradores da Lava Jato após decisão do plenário de enviar casos de corrupção para a Justiça Eleitoral, e não Federal.
Toffoli escolheu, sem sorteio, Moraes para presidir a investigação e excluiu o Ministério Público dela —o que gerou críticas de colegas da corte, que disseram nem terem sido consultados, como o ministro Marco Aurélio.
Na manifestação desta terça, a PGR afirmou que, apesar de não participar do inquérito, é a titular da ação penal —o único órgão com legitimidade para levar adiante uma acusação. Portanto, no entendimento de Dodge, só cabe a ela decidir pelo arquivamento ou continuidade do caso.
Dodge disse a Moraes que o órgão não vai promover ações penais que resultem desse inquérito, pois ele desrespeitou o devido processo legal.
“Registro [...] que nenhum elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida [nesse inquérito] será considerada pelo titular da ação penal [...]. Também como consequência do arquivamento, todas as decisões proferidas estão automaticamente prejudicadas”, escreveu Dodge.
Se o entendimento dela vingasse, as medidas de busca e apreensão e a censura aos sites seriam invalidadas.
“A situação é de arquivamento deste inquérito. No sistema penal acusatório estabelecido na Constituição de 1988, o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal, exerce funções penais indelegáveis”, continuou Dodge.
“O sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções: um órgão acusa, outro defende e outro julga. Não admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse”, sustentou a procuradora-geral.
“O pleito da procuradora-geral da República não encontra qualquer respaldo legal, além de ser intempestivo [fora do prazo], e, se baseando em premissas absolutamente equivocadas, pretender, inconstitucional e ilegalmente, interpretar o regimento da corte e anular decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal”, rebateu Moraes em sua decisão.
O ministro afirmou que o sistema acusatório implantado em 1988 deu ao Ministério Público a exclusividade da ação penal, mas não a estendeu à fase de investigação, pois manteve a presidência de inquéritos com os delegados de polícia “e, excepcionalmente, no próprio STF, por instauração e determinação de sua presidência, nos termos do [artigo] 43 do regimento interno”.
Esse artigo estipula que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito”.
Críticos da interpretação que Toffoli deu a esse trecho do regimento argumentam que os ataques pela internet não são na sede do Supremo. Porém, pelo entendimento adotado por Toffoli, os ministros atacados na internet representam o próprio tribunal. O regimento interno do Supremo tem força de lei.
Ao tratar do hibridismo do sistema investigatório no Brasil, que admite participação do Ministério Público e também da polícia, a decisão de Moraes tocou em pontos caros para os procuradores, como a questão de quem pode assinar acordos de delação premiada.
Moraes lembrou que o plenário do STF autorizou que delegados de polícia também celebrem esses acordos —a PGR pedia para ter exclusividade. A mensagem foi vista como uma forma de mostrar ao órgão que sua atuação tem limites.
Outras entidades entraram no enfrentamento com o Supremo nesta terça. A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) pediu ao Supremo um mandado de segurança para suspender o inquérito sobre fake news, sob o argumento de que abertura foi um “claro abuso de poder”.
Caso a corte entenda que a investigação deve prosseguir, a ANPR requereu que a PGR seja previamente comunicada de qualquer ação contra procuradores, como depoimentos, prisões, ordens de busca e apreensão e censura.
Quando Toffoli instaurou o inquérito, havia a expectativa de que entre os alvos estivessem procuradores da República, como um ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato, Diogo Castor, que escrevera em um artigo para o site O Antagonista que o STF preparava um golpe contra a operação.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também se manifestou nesta terça criticando o episódio de censura aos sites que noticiaram a menção a Toffoli feita por Marcelo Odebrecht.
“Nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade, pois a censura prévia de conteúdos jornalísticos e dos meios de comunicação já foi há muito tempo afastada do ordenamento jurídico nacional”, afirmou a OAB.
Um dia depois da censura aos sites determinada pelo STF, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) publicou em redes sociais, sem fazer menção direta ao caso: “Acredito no Brasil e em suas instituições e respeito a autonomia dos Poderes, como escrito em nossa Constituição. São princípios indispensáveis para uma democracia. Dito isso, minha posição sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável”.
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