Relatório enviado à PF sugere caminho para rastrear fake news
Pesquisador coletou dados de 277 grupos de WhatsApp durante as eleições
Por: Folha de S. Paulo
Publicado em 17 de Janeiro de 2019 as 09:31 Hrs
A Procuradoria-Geral da República recebeu, em 26 de novembro de 2018, um parecer técnico com rastreamento de algumas das principais notícias falsas disseminadas na campanha eleitoral.
O relatório, elaborado pelo especialista em telecomunicações da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Miguel Freitas, permitiria identificar quem foram os primeiros propagadores das mentiras que mais circularam na eleição passada.
Após negar ter recebido o relatório, a assessoria da PF afirmou que a documentação foi recebida fora dos autos pelo delegado Thiago Marcantonio, responsável por inquérito sobre envio em massa de mensagens pelo WhatsApp nas eleições.
O inquérito foi aberto em 20 de outubro, logo após reportagem da Folha mostrar que empresários bancaram envio em massa de mensagens contra o PT pelo aplicativo durante a campanha.
Em email a Branquinho, Freitas afirmou que o relatório poderia "auxiliar em algumas linhas de investigação quanto ao uso e disseminação das 'fake news' na eleição de 2018".
Segundo ele, o material reúne "informações técnicas e indícios sobre as origens de algumas das postagens falsas mais relevantes observadas neste processo eleitoral em grupos públicos de WhatsApp".
Freitas diz que sua iniciativa é de caráter pessoal e se colocou à disposição para dar mais esclarecimentos. No entanto, até hoje, quase dois meses depois, ninguém entrou em contato com o pesquisador.
A Folha indagou à PF quais medidas haviam sido tomadas a partir do parecer técnico, mas a assessoria limitou-se a dizer que o material foi recebido fora dos autos e não especificou se foi incorporado à investigação eleitoral.
Freitas coletou dados inicialmente de 115 grupos de WhatsApp e posteriormente acrescentou rastreamento de outros 162 grupos, totalizando 277. Identificou 16 notícias falsas de grande circulação na campanha, citadas por órgãos de imprensa.
O relatório chegou a identificadores sobre o primeiro "upload" de cada vídeo ou imagem no WhatsApp.
"Se a Justiça requerer ao WhatsApp os registros que a plataforma mantém em relação a esses identificadores que nós localizamos, será possível chegar ao endereço IP da pessoa que primeiro fez o upload, ou seja, identificá-la", diz ele, coordenador do laboratório de Pesquisa em Tecnologia de Inspeção (CPTI/PUC-Rio).
Segundo o pesquisador, quando um arquivo de mídia é carregado pela primeira vez, ele produz nos servidores do WhatsApp um registro (log) que permite recuperar posteriormente a identificação do usuário que enviou esse conteúdo.
Também é possível conhecer as informações de conexão, como o endereço IP (identificação única de cada computador ou smartphone conectado à rede), a data e a hora.
As mensagens enviadas por um determinado usuário são criptografadas no próprio celular antes de serem enviadas à rede ou aos servidores da plataforma WhatsApp. Esse processo envolve uma chave de segurança que apenas o destinatário possui, e isso garante que nenhum intermediário seja capaz de acessar o conteúdo.
"Esta é a razão da alegação frequente do WhatsApp perante a Justiça de que não seria capaz de fornecer, por motivos técnicos, o conteúdo das mensagens solicitadas", diz.
Os artigos 13 e 15 do Marco Civil da Internet estabelecem obrigações para os provedores de acesso (empresas operadoras de internet) guardar e fornecer por um ano os registros de conexão e, para os provedores de aplicações (caso do WhatsApp), por seis meses.
O parecer do pesquisador chegou a "identificadores" sobre o primeiro upload dessas fake news, que, segundo ele, permitem ao WhatsApp localizar os registros. Não se trata de revelar conteúdo, que não fica nos servidores da plataforma, mas de trabalhar com metadados (dados por trás desse conteúdo).
"É tecnicamente possível obter, via judicial, informações sobre a origem de uma mídia digital enviada ou encaminhada na plataforma WhatsApp. Essas informações incluem o número do celular associado, a hora do acesso e o endereço IP do usuário que realizou o primeiro envio dessa mídia para a plataforma. Mídias digitais, tais como fotos e vídeos, encaminhados entre grupos e entre diferentes usuários dentro da plataforma WhatsApp preservam a capacidade de rastreamento ao usuário de origem", afirma o relatório recebido por Procuradoria e PF.
Segundo Freitas, a solicitação judicial ao WhatsApp deve ser embasada tecnicamente a respeito do funcionamento da plataforma, porque assim se evita que a empresa diga que é inviável atender ao pedido.
Como o IP identifica a máquina, seria ainda necessário aprofundar a investigação para encontrar o usuário real.
Nos EUA, o WhatsApp já forneceu esses metadados ao FBI (polícia federal americana) algumas vezes, mediante ordem judicial durante investigação de crimes.
Não é possível dizer se uma pessoa repassou um vídeo ou imagem que veio originalmente do Facebook ou por email.
Mas é possível identificar a primeira pessoa que fez o upload de um conteúdo no WhatsApp. Por mais que não tenha criado o conteúdo, essa pessoa é chave na disseminação —e pode ser um IP de uma agência de marketing ou alguém ligado a algum partido.
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