Índios de Brasnorte lamentam fim de brigadas de incêndio em aldeia
Governo cortou 38% da verba de programa de prevenção; índios mykys usam latas para apagar fogo
Por: Folha de São Paulo
Publicado em 03 de Setembro de 2019 as 09:58 Hrs
O fogo quase destruiu por completo as casas da aldeia Japuíra do povo myky, na Terra Indígena Menku, em Brasnorte, Mato Grosso, na última sexta (30). Desde o início de agosto, focos de incêndio ameaçam o entorno da área indígena.
A aldeia se mobilizou para evitar uma tragédia maior. As moradias e as chamas ficaram lado a lado. Os esforços conseguiram extinguir o fogo próximo às moradias, mas um incêndio de cem hectares ainda consome a terra dos mykys sem previsão de término.
Segundo o Programa Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), há ao menos 40 terras indígenas afetadas pelos focos de incêndio desde janeiro.
Uma das hipóteses para a origem do fogo é que ele venha de fontes externas, como fazendas, estradas e áreas abertas por invasores.
Os cortes neste ano de 38% (R$ 17,5 milhões) das verbas para o Prevfogo, programa de prevenção às queimadas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), reduziram drasticamente as brigadas em terras indígenas.
Para os líderes mykys, da aldeia Japuíra, com o apoio das brigadas, eles poderiam evitar que os incêndios em seu território consumissem grandes porções de mata.
“Até uns quatro anos atrás, nós éramos treinados e recebíamos equipamento do Prevfogo. Tínhamos a nossa própria brigada de 15 indígenas e conseguíamos evitar os incêndios”, diz Kawixi Myky, da aldeia Japuíra.
Uma brigada é formada por no mínimo 12 pessoas. Todos podem ser indígenas. Cada brigada treinada ganha do governo federal equipamento como roupas de proteção às chamas, abafadores, sopradores e bombas de água.
No caso da aldeia Japuíra, desde 2104 foram deixadas só duas das dez bombas de água. Parte do material restante se desgastou e faltou treinar mais índios.
A aldeia, com 126 pessoas, enfrentou as chamas de forma improvisada para evitar uma tragédia. “Usamos alguns abafadores e duas bombas que sobraram da ultima brigada que teve, há quatro anos. Foi o que nos salvou. Mas muitos pegaram água com lata para apagar as chamas perto das casas”, conta Nilo Myky.
Segundo o Batalhão Estadual do Corpo de Bombeiros, não há como eles agirem em uma área indígena.
“É a política nacional que determina. Quem gerencia as terras indígenas é a Funai. O responsável seria o Prevfogo do Ibama. Alguns povos tem muita resistência à entrada de forças para extinção dos incêndios”, diz o tenente-coronel Dércio Santos, coordenador-geral-adjunto do Centro Integrado multi-Agências de Coordenação Operacional.
Ele conta que, neste ano, em um dos focos, chegaram com uma equipe em Canarana, em uma área indígena. “Não houve essa chance de entrarmos”, diz, alegando ameaça dos índios. “Em outras situações chegamos lá e todos os indígenas estavam pintados e armados.”
Os dados do Inpe mostram que as terras indígenas estariam sendo afetadas pelos incêndios vizinhos —mais de 60% dos focos estão em propriedades privadas. O aumento das queimadas em 2019 teria raízes no desmatamento da Amazônia, segundo Ane Alencar, coordenadora do monitoramento e uso da terra no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
“A grande maioria são áreas inclusas no Cadastro Ambiental Rural e em seguida temos muitos focos de fogo em terras não destinadas, as áreas públicas. Há uma correlação muito alta indicando que grande parte dos focos de fogo que a Amazônia enfrenta representam o último estágio do processo de desmatamento.”
Os pesquisadores contrariam a tese dos governos estadual e federal de que a seca agravou as queimadas de 2019.
“Todo ano tem seca na Amazônia, mas tem anos que há seca extrema como com fenômeno climático de El Nino. Este ano não temos isso. Os dias sem chuva de 2019 foram inferiores aos de 2015 e 2016, quando houve sim uma grande estiagem prolongada”, diz a cientistas.
O fogo também trouxe atritos culturais entre os povos indígenas. Os homens da aldeia Japuíra tiveram que interromper um ritual tradicional para correrem atrás das chamas. A maioria abandonou o combate ao segundo foco de incêndio para finalizar a cerimônia.
Por conta do ritual, todas as mulheres da aldeia permanecem reclusas em uma casa construída com palha de buriti e deitadas em redes de algodão cru. “Aqui estamos seguras, temos que esperar os homens finalizarem o ritual”, diz Jemuu Aquino, dos mykys.
As aldeias estão entre as áreas afetadas pelas queimadas onde há menos eficiência no combate ao fogo, segundo os bombeiros do estado.
Entre os povos xavantes, no Leste de Mato Grosso, há mais de 46 focos apenas na TI Areões, em Nova Nazaré.
O Ministério Público Federal de Barra do Garças abriu um inquérito para investigar a origem das queimadas que já consumiram 219 mil hectares da terra indígena.
Uma rodovia federal no meio da aldeia Marawatsêde é um dos principais propagadores de incêndios na região. “Já pedimos muitas vezes para o governo fazer o desvio, mas ninguém muda isso”, diz o cacique Damião Xavante. O povo Xavante enfrenta mais de 123 focos em seus territórios.
Em agosto, de acordo com o governador Mauro Mendes (DEM), em audiência realizada em Água Boa, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, teria informado que o denominado Contorno Leste, que desviaria o trajeto das terras indígenas dos índios Xavantes, será descartado pelo atual governo de Jair Bolsonaro (PSL). Procurado, o ministério não se manifestou.
Na aldeia do povo manoki, os indígenas afirmam que invasores causaram os incêndios. O território em disputa segue invadido por fazendas. Os indígenas também precisaram se mobilizar sozinhos para conter o fogo na área Menku.
“Conseguimos controlar, mas ainda temos medo do fogo voltar. A queimada veio da área invadida, mas tomou muito da nossa mata”, afirma Giovanni Manoki.
Procurados, o Ministério do Meio Ambiente e a Funai não responderam.
MAIS VELHOS DA TRIBO AINDA INSISTEM NA PRÁTICA DE QUEIMADA
Para os mykys, o primeiro sinal de que podem colocar fogo para abrir uma roça é o surgimento de uma estrela no céu de agosto. A prática ainda é mantida pelos mais velhos, mesmo com crítica das novas gerações.
“Ela brilha entre às quatro e cinco horas. Dai sabemos que é hora de fogo”, diz Mantixê Akinato, 84. “Não pode esperar. O fogo é nesse tempo.”
Na aldeia Japuíra a reunião que a reportagem acompanhou no sábado terminou sem uma solução concreta. As lideranças pedem pela volta das brigadas, porém não há nenhuma previsão de recursos financeiros para isso.
Um representante do Ibama, na reunião, afirmou que tentaria deslocar pessoas da cidade vizinha de Tangará da Serra para ajudar no combate aos incêndios —sem precisar data ou tamanho da equipe.
As lideranças indígenas também tentam convencer os anciãos a adiarem a retomada das roças. “Comecem ao menos depois do dia 10”, diz Tarcísio Myky ao grupo que parece pouco satisfeito com o pedido.
“Contatados a partir de 1971 os mykys falam um idioma único e são um dos povos que mais preservam a cultura original. Em um processo de retomada da população eles conseguiram passar de 29 sobreviventes dos massacres passados executados por empresas seringueiras para 126 pessoas. As roças tradicionais e o peixe são primordiais para alimentação na aldeia”, diz Elizabeth Rondon, neta do Marechal Rondon, que vive há 40 anos com os mykys.
“Sim, esperamos dia dez, começo de chuva”, diz um dos anciãos. Quando o dia cai, as mulheres voltam à casa dos rituais com suas redes de algodão e os homens retomam a cerimônia ritual.
A 2 km dali, o fogo segue consumindo a mata. Logo após os representantes do Ibama e da Funai se afastarem, um dos anciãos levanta do pequeno banco de madeira e declara. “A minha roça eu começo amanhã”.
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