Filha de Queiroz interrompeu repasses logo após suposto vazamento de investigação à família de Bolsonaro
Extratos bancários indicam que gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara abasteceu 'rachadinha' por meio de Nathália Queiroz
Por: Folha de São Paulo
Publicado em 13 de Agosto de 2020 as 16:49 Hrs
A personal trainer Nathália Queiroz interrompeu os repasses mensais que fazia ao pai, o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, logo após o suposto vazamento de informações ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) sobre investigações que envolviam seu então gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.
À época do suposto vazamento pela Polícia Federal, Queiroz atuava como uma espécie de chefe de gabinete de Flávio na Assembleia, enquanto Nathália recebia salários do então deputado federal Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Extratos bancários indicam que Nathália devolvia parte de seu salário para abastecer o suposto esquema de "rachadinha" operado pelo pai.
A última transferência feita por Nathália a Queiroz ocorreu em 21 de setembro de 2018, de acordo com dados da quebra de sigilo bancário autorizada pela Justiça. Após essa data, ela recebeu vencimentos da Câmara dos Deputados em outubro e novembro, mas não os repassou ao pai como fazia havia 12 anos.
O fim das transferências da filha para o pai ocorreu justamente após a data do suposto vazamento de informações da Polícia Federal sobre investigações em torno do então gabinete de Flávio na Assembleia.
Segundo a Promotoria, Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro já 30 anos, atuava no gabinete de Flávio como operador de um esquema de "rachadinha", prática que consiste no repasse de salário de assessores ao parlamentar.
Em recente entrevista à Folha, o empresário Paulo Marinho disse que, segundo ouviu do próprio filho do presidente, um delegado da PF antecipou a Flávio em outubro de 2018 que a Operação Furna da Onça, então sigilosa, seria realizada. Marinho é ex-aliado e suplente de Flávio no Senado.
Os desdobramentos de uma investigação que corria em paralelo no MP-RJ indicaram um esquema de "rachadinha" na Assembleia do Rio e atingiram Queiroz, que, segundo relatório federal incluído na investigação, movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta bancária de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume, chamava a atenção os depósitos em dinheiro e saques sucessivos, sempre próximos às datas de pagamento de salários na Assembleia do Rio.
O relatório federal também mencionava as transferências bancárias feitas por Nathália ao pai, fato sobre o qual, segundo Paulo Marinho, o senador também foi alertado. Segundo o empresário, o PM aposentado e sua filha foram demitidos em 15 de outubro de 2018 dos gabinetes de Jair e Flávio, respectivamente, em razão desse vazamento.
Após essa data, Nathalia ainda recebeu vencimentos da Câmara nos dias 22 de outubro (R$ 4.329,92) e 21 de novembro (R$ 26.529,90, referente à rescisão do vínculo empregatício). Não houve, porém, nenhum repasse para o pai até o dia 17 de dezembro de 2018, último dia da quebra de sigilo bancário autorizado pela Justiça.
Procuradas, as defesas de Queiroz, Nathália e Flávio não se pronunciaram. O senador negou, em ocasiões anteriores, ter recebido informação privilegiada sobre investigação sigilosa. O vazamento está sob investigação da Polícia Federal e Ministério Público Federal.
A interrupção dos repasses em setembro contraria a versão apresentada pela defesa da personal trainer, segundo a qual as transferências ocorriam porque Queiroz centralizava as despesas de sua família.
Também vai de encontro à prática adotada pela personal trainer desde 2007, quando assumiu um cargo no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. Desde então, ela repassou mensalmente a maior parte de seus vencimentos em cargos públicos para o pai.
Como a Folha revelou nesta quarta-feira (12), a personal continuou repassando a maior parte de seu salário ao pai mesmo após estar empregada no antigo gabinete do presidente Jair Bolsonaro na Câmara.
Dados da quebra de sigilo bancário de Nathália autorizada pela Justiça mostram que ela transferiu R$ 150.539,41 para a conta do policial militar aposentado de janeiro de 2017 a setembro de 2018, período em que esteve lotada no gabinete de Bolsonaro. O valor representa 79% do valor que a personal trainer recebeu da Câmara dos Deputados no período.
A dinâmica dos repasses é a mesma descrita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre a suposta “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia fluminense.
Promotores identificaram que Nathalia repassou ao menos 81,8% de seus vencimentos para o pai no período em que esteve lotada na Assembleia, de dezembro de 2007 a dezembro de 2016. As transferências ou depósitos ocorriam sempre em até uma semana após o recebimento do salário.
Dinâmica semelhante se deu na Câmara dos Deputados. Quase a totalidade dos repasses ocorreram entre os dias 21 e 24 de cada mês, data em que os servidores costumam receber seus vencimentos, segundo a Folha apurou.
A defesa de Queiroz afirmou, em nota, que os repasses seguiam a lógica de “centralização das despesas familiares na figura do pai”. A Presidência da República afirmou que não comentaria o caso.
Amigo do presidente há mais de 30 anos, Queiroz é apontado como o operador financeiro do esquema da "rachadinha". De acordo com a Promotoria, o esquema contava com o uso de funcionários fantasmas, que repassavam seus vencimentos ao PM aposentado. Os recursos eram usados, segundo as investigações, para pagar despesas pessoais do senador.
Como revelou a Folha em dezembro de 2018, Nathalia atuava como personal trainer no mesmo período em que trabalhava para Bolsonaro, de dezembro de 2016 a outubro de 2018.
Residente no Rio de Janeiro, as redes sociais dela giravam em torno de sua atuação como professora de educação física nas academias cariocas e na praia. Havia registros, inclusive, de aulas com famosos, como os atores Bruno Gagliasso, Bruna Marquezine e Giovanna Lancellotti.
De acordo com o MP-RJ, os repasses de Nathália representaram 30% dos R$ 2 milhões arrecadados entre 2007 e 2018 na suposta “rachadinha” com origem identificada. Os investigadores só analisaram as transferências da filha de Queiroz que se referem ao período em que ela esteve nomeada no gabinete de Flávio —o presidente não pode ser investigado pela Promotoria fluminense.
Incluindo os valores da Câmara dos Deputados, o peso dos repasses da personal trainer neste grupo sobe para mais de um terço (35,4%).
Além de Nathalia, são suspeitas de participação no esquema a mulher, Márcia Aguiar, e outra filha de Queiroz, Evelyn. Somada, a família do ex-assessor de Flávio representa 58% da movimentação identificada considerada criminosa pelo MP-RJ.
Há a suspeita de que o valor movimentado no esquema seja maior do que os R$ 2 milhões com origem identificada. Investigadores consideram a possibilidade de que outros ex-assessores faziam seus repasses em espécie para Queiroz, sem depósito em conta, inviabilizando sua identificação como parte do esquema. A hipótese decorre do fato de alguns assessores terem sacado a maior parte de seus salários.
O PM aposentado também sacou outros R$ 900 mil no período de 12 anos. Os promotores afirmam que parte desse valor também pode se referir a depósitos de assessores cuja identificação não foi possível.
Todo o dinheiro vivo do esquema, segundo o MP-RJ, pode ter sido usado para pagar despesas pessoais de Flávio Bolsonaro. O senador quitou boletos escolares e de plano de saúde com recursos em espécie ao longo de cinco anos. Os investigadores conseguiram identificar que Queiroz foi o responsável pelo pagamento em ao menos uma oportunidade, em outubro de 2018.
Em entrevista ao jornal O Globo, o senador reconheceu que seu ex-assessor pagava em algumas ocasiões suas contas pessoais, mas com seu dinheiro e de origem lícita. O MP-RJ, porém, não identificou saques compatíveis com o pagamentos dos boletos nas contas bancárias do filho do presidente.
Este não é o primeiro episódio em que Bolsonaro é vinculado ao esquema da suposta “rachadinha” do filho na Assembleia.
A primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu 27 cheques de Queiroz e sua mulher, Márcia, que somam R$ 89 mil. Os repasses ocorreram em dois períodos: o primeiro entre janeiro de 2011 e abril de 2013, e o segundo em 2016.
O valor supera os R$ 24 mil identificados no relatório do Coaf, pivô da investigação contra Flávio, bem como os R$ 40 mil descritos pelo presidente após a revelação do caso.
Queiroz foi preso em junho em Atibaia (interior de São Paulo), em um imóvel do advogado Frederick Wassef, então responsável pelas defesas de Flávio e do presidente.
Em 10 de julho, Queiroz deixou o Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio, para cumprir prisão domiciliar. O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, concedeu o benefício a pedido da defesa.
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