
Brasil apressa lei para inteligência artificial, dizem especialistas
Críticos apontam falta de espaço para debate do marco legal
Por: Folha de São Paulo
Publicado em 19 de Julho de 2021 as 09:03 Hrs
Após três meses da publicação da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), a Câmara deu seu primeiro passo em um projeto de lei (PL) que cria o Marco Legal da Inteligência Artificial. No início de julho, a Casa aprovou o regime de urgência para votação do PL.
A Ebia foi publicada em abril deste ano pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e tem como objetivo traçar um plano para o país crescer e se desenvolver na área. O projeto de lei 21/2020, que instaura o marco legal da área, começou a tramitar na Câmara em 2020. O objetivo da peça é determinar os princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a o desenvolvimento da tecnologia.
Apesar desses avanços, especialistas afirmam que ambas as iniciativas deixam de lado pontos como importantes, como a regulamentação e a disposição orçamentária para colocar projetos em prática, e alertam para a rapidez com que eles vêm avançando.
“A Ebia é um início de conversa, mas é uma estratégia nem um pouco estratégica, é como se fosse uma carta de desejos”, diz. Bianca Kremer, fellow na Coding Rights e líder de pesquisa de big data e segurança pública do CJUS (Centro de Justiça e Sociedade) da FGV-Rio. “Ainda é muito cedo para colocar um marco que ainda teve pouca conversa em regime de urgência”.
ilustração mostra no fundo rua à noite, com postes de luz. ao centro, olho arregalado. ao lado dele duas câmera e uma mão segurando arma, acima, outra câmera de vigilância.
A pesquisadora afirma que, comparado com exemplos internacionais como a União Europeia, não há diretrizes orçamentárias claras para colocar em prática projetos de fomento à educação, e falta um diálogo mais forte sobre regulamentação.
“O Brasil está indo na contramão de bons exemplos. Em termos de estratégia, a UE desenvolve uma proposta mais concreta, e traça um orçamento para colocar em prática a IA”, diz. “Nós não demos concretude, não existe um passo a passo para colocar em prática”.
Segundo José Renato Laranjeira, diretor do Lapin (Laboratório de Políticas Públicas e Internet), o debate na União Europeia sobre o tema ocorre há quase três anos, embasado por um grupo de peritos em inteligência artificial. “Foram vários documentos até chegar nesse estágio. O Brasil deveria ter o mesmo tempo de diálogo, não votar com rapidez”, afirma.
A regulamentação da tecnologia na União Europeia foca nos direitos humanos e desenvolve uma classificação de risco que vai de alto a baixo.
Já o projeto brasileiro é classificado por Laranjeira como generalista. Para ele, o marco em seu estado atual gera obrigações tanto para quem opera um spam de email até para quem trabalha com reconhecimento facial. "Deveríamos estar em uma discussão baseada no risco da aplicação da tecnologia, com um debate longo e multisetorial”, diz.
A inteligência artificial hoje serve para resolver tanto para assuntos básicos, como chatbots (robô que conversa com cliente), quanto para mais complexos, como diagnósticos de imagem e reconhecimento facial. Ela também pode ser encontrada em aplicações do cotidiano, como a aprovação de crédito em um banco e o desbloqueio de celular via biometria.
COMO DEIXAR A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INTELIGENTE
Entenda dois termos básicos sobre o processo de especialização da IA
Machine learning (ou aprendizado da máquina)
Funciona basicamente como formas para extração de conhecimento a partir de dados; imagine as recomendações de filmes no streaming. Elas são baseadas em como o usuário usa sua conta, e o robô vai aprendendo a apresentar sugestões que tenham mais a ver com você.
PLN (Processamento de linguagem natural)
É uma aplicação que usa técnicas computacionais para analisar linguagem humana, áudios e imagens com a finalidade de coletar dados que sejam úteis e/ou que possibilitem uma conversação entre homens e sistemas computacionais. Tradutores e assistentes virtuais são exemplos da aplicação.
Segundo o Índice de Inteligência Artificial de 2021 da Universidade Stanford, o Brasil é o 31º país a traçar uma estratégia para inteligência artificial.
Juliano Maranhão, professor de Direito da USP e diretor da Associação Internacional de IA e Direito, esperava mais da estratégia brasileira. “Ela faz um apanhado de questões de outros documentos sobre investimento em IA e sobre questões éticas”, afirma. “O ponto bom da estratégia é que, pelo menos, a conversa foi iniciada."
Entre as críticas de Maranhão está a falta de clareza sobre como o poder público vai financiar projetos e quais os critérios que vão nortear essa atuação. “Como devem atuar as agências de fomento? Como deveria ocorrer a relação entre universidade e o setor privado? Esses são pontos que não são respondidos na proposta”, diz.
Além disso, Maranhão afirma que a estratégia brasileira toca em aspectos éticos de forma superficial, sem ter nenhuma diretriz sobre a regulamentação da tecnologia.
O avanço de parâmetros legais para a tecnologia se torna mais premente conforme o setor avança no Brasil, impulsionado também pelas mudanças sociais provocadas pela pandemia. Esse aquecimento já pode ser observado pelo número de contratações na área.
Segundo o índice de Stanford, o Brasil é o que país que mais contrata profissionais da área, ultrapassando Estados Unidos e China, que despontam no desenvolvimento da tecnologia.
Segundo uma pesquisa da IBM em parceria com a Morning Consult, no Brasil, os chatbots (agentes virtuais para atendimento ao cliente) são os casos de uso mais comuns de tecnologias de processamento de linguagem natural (42%), seguido de automação de call center e análise de pesquisas.
Apesar da alta procura, há uma escassez de profissionais qualificados.
"Um dos problemas que o Brasil enfrenta é uma defasagem de profissionais na área, e o pouco que forma vai para fora do país", diz Claudio Pinhanez, gerente de pesquisa em inteligência conversacional de IBM Research Brasil. Para reverter esse quadro, ele defende investimentos tanto do setor privado quanto do governo.
“Quando olhamos o Brasil em formação de profissionais, estamos virando um produtor de talentos, e tanto empresas quanto governos têm que desenvolver incentivos para manter essas pessoas no país”, diz.
Evandro Armelin, diretor de Data & Analytics da Everis, afirma que o Brasil está atrás de mercados como China, Europa e EUA quanto ao uso e estudo da tecnologia, mas que vem evoluindo recentemente. “É fácil dizer que passamos o ponto de inflexão, o momento que as grandes empresas perceberam que é um caminho sem volta, que precisa ser implementado'', diz.
“Escassez de talentos é uma das principais barreiras da IA no Brasil, mas também é mundial”, afirma. “Além do governo, empresas têm que investir em formação para manter e capacitar melhor o profissional”.
- COMENTÁRIOS
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
10:48
Mato Grosso consolida protagonismo na produção mundial de grãos e fibras
Volume projetado mantém o estado entre os maiores produtores globais de soja, milho e algodão
10:46
Polícia Militar prende cinco homens por roubo e invasão à propriedade rural
Os suspeitos renderam os funcionários da fazenda e roubaram diversos armamento
09:36
Sobrinha é presa após aplicar golpe de R$ 400 mil contra tios em Goiás
Jovem inventou um enredo que envolvia organização criminosa e o Judiciário para enganar os familiares
11:46
Trauma contundente e hemorragia causaram a morte de brasileira em vulcão na Indonésia
Autópsia mostrou que foram encontrados ossos quebrados nas regiões do peito, costas e coluna
11:40
Lula veta exame toxicológico para CNH A e B e libera uso de multas para custear habilitação
Uso das multas de trânsito será para pessoas cadastradas no CadÚnico; veja como vai funcionar
11:25
Mulher matou mãe e filha em BH por quadro de depressão, conclui polícia
Mãe, avó e neta foram encontradas mortas em apartamento; mortes foram provocadas por intoxicação por monóxido de carbono
21:30
Pulverização com drones contra a dengue em Brasnorte levanta dúvidas sobre empresa contratada
Investimento de mais de meio milhão de reais
11:34
Polícia Civil cumpre 38 mandados de busca e apreensão contra tráfico de drogas no DF
Operação Nexus investiga uma rede de compra e venda de drogas através de redes sociais, principalmente na Candangolândia
11:16
Cade aplica R$ 150 milhões em multas por cartel de combustíveis no DF
Sete redes de postos atuantes nos mercados de revenda de combustíveis e 10 pessoas físicas foram condenadas no processo
11:12
Vacinação contra gripe no Brasil atinge apenas 41% do público prioritário
Cobertura segue abaixo da meta do Ministério da Saúde de vacinar, pelo menos, 90% de cada um dos grupos prioritários