Bolsonaro anuncia Abraham Weintraub para lugar de Vélez na Educação
Novo nome vem do mercado financeiro e estava na Casa Civil; ex-ministro acumula críticas
Por: Folha de S. Paulo
Publicado em 08 de Abril de 2019 as 14:26 Hrs
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) anunciou nesta segunda-feira (8) um novo nome para o ministério da Educação. Abraham Weintraub entra no lugar de Ricardo Vélez Rodríguez.
Em edição extra do Diário Oficial da União desta segunda, Bolsonaro exonerou Vélez e nomeou Abraham Weintraub para o cargo, liberando-o da função que ocupava.
Inicialmente, Bolsonaro havia anunciado pelas redes sociais que Abraham possuía o título de doutorado, mas corrigiu a informação em uma nova publicação. "Corrigindo: Abraham possui mestrado em Administração na área de Finanças pela FGV e MBA Executivo Internacional pelo OneMBA, com título reconhecido pelas escolas: FGV/Brasil, RSM/Holanda, UNC/Estados Unidos, CUHK/China e EGADE-ITESM/México", escreveu o presidente.
A plataforma Lattes também indica que o economista tem apenas mestrado, finalizado em 2013 na FGV. O site da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde o novo ministro leciona e está licenciado, também informa que Abraham possui apenas mestrado.
Na carreira profissional, segundo o currículo oficial, foi diretor estatutário do Banco Votorantim, CEO da Votorantim Corretora no Brasil e da Votorantim Securities nos Estados Unidos e na Inglaterra.
No primeiro anúncio sobre a troca de comando no MEC, Bolsonaro também agradeceu o antigo titular da pasta. "Aproveito para agradecer ao professor Vélez pelos serviços prestados", escreveu no Twitter.
Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub era secretário-executivo da Casa Civil.
Economista e professor da Unifesp, Weintraub participou das conversas sobre a reforma da Previdência. No domingo (7), Weintraub esteve com Bolsonaro no Palácio do Alvorada. O nome de Weintraub, contudo, não estava entre os nomes cotados que circulavam nos bastidores.
A saída de Vélez era ensaiada havia algumas semanas por causa da crise permanente na pasta, expondo uma disputa entre militares e seguidores do escritor Olavo de Carvalho. Na sexta (5), Bolsonaro indicou a jornalistas que resolveria a questão nesta segunda.
O novo ministro da Educação tem proximidade com Olavo de Carvalho. O presidente escolheu um nome afinado ideologicamente com Olavo, mas sem vinculação direta com os grupos que disputam espaço.
A lógica, segundo auxiliares do governo, foi evitar mais briga entre olavistas e militares. Em encontro realizado no ano passado, a Cúpula Conservadora das Américas, Weintraub elogiou Olavo e disse que a adaptação das ideias do escritor deveria ser uma estratégia para combater a esquerda.
Abraham é irmão de Arthur Weintraub, que também integra o governo, como assessor-chefe adjunto da Assessoria Especial do Presidente da República.
APROXIMAÇÃO COM BOLSONARO
A aproximação de Abraham com Bolsonaro se deu por conta do ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni (DEM), segundo relatou seu irmão, Arthur Bragança, em uma reunião no departamento do curso de Ciências Atuariais da Unifesp, registrada em ata.
Arthur contou que foi convidado para organizar o Seminário Internacional sobre a Reforma da Previdência em 2018 no Congresso Nacional e que, depois disso, foi procurado por deputados e senadores, entre ele Onyx, "dizendo que havia outros deputados interessados em seu trabalho, dentre aqueles, o deputado Jair Bolsonaro", relatou.
A primeira reação, disse, foi negar qualquer aproximação, por "considerar esse deputado com um pensamento radical". "O deputado Onyx sugeriu que ele fosse se informar melhor porque a mídia brasileira distorcia as informações. Dessa maneira, ao melhor se informar, seu irmão Abraham e ele se deram conta que essa conduta radical seria mentira", registra a ata.
A partir daí, os irmãos "começaram a dar apoio científico e não político a esse candidato." Segundo Arthur, o apoio ensejou críticas dos centros acadêmicos dos cursos de relações internacionais e economia. Os irmãos passaram a responder processos administrativos por responder as ofensas dos alunos publicadas em páginas no Facebook, segundo a ata da reunião.
POLÊMICAS DE VÉLEZ
Anunciado no dia 22 de novembro, Vélez Rodriguez foi uma das últimas definições para a Esplanada dos Ministérios.
A publicação no Twitter do então presidente eleito tirou o professor colombiano radicado no Brasil desde a década de 1970 de um considerável anonimato. Até dias antes, o próprio Vélez Rodríguez jamais havia pensado que um dia seria ministro da Educação.
Vélez chegou à equipe de Bolsonaro por indicação do escritor Olavo, guru e ideólogo direitista, patrocinada pelos filhos do presidente.
Professor de filosofia, identificado com o conservadorismo, antipetismo e a luta contra o marxismo cultural, Vélez fez carreira discreta na própria instituição onde atuou por quase 30 anos, a Universidade Federal de Juiz de Fora.
Sem ter se dedicado aos debates sobre políticas públicas e educação, montou uma equipe a partir da indicação de vários grupos, o que depois resultou em um mosaico de interesses e disputas.
Passaram a compor a pasta profissionais ligados aos militares, ex-alunos de Vélez, técnicos do Centro Paula Souza, de São Paulo, e discípulos de Olavo. Ironicamente, atritos com ex-alunos de Olavo provocariam o desgaste mais prolongado de Vélez.
A disputa também atrasou definição de políticas importantes para as redes de ensino, como a continuidade do apoio à implementação da Base Nacional Comum Curricular —programa retomado somente no dia 4 de abril.
Nesses três meses, dúvidas com relação às avaliações federais e sobre a definição do programa de livros didáticos, por exemplo, causaram incômodo com os secretários de educação de estados e municípios.
Recentes problemas que alunos enfrentaram para a renovação do Fies (Financiamento Estudantil) ainda atingiram estudantes. A única meta para os 100 dias do MEC foi a apresentação de uma nova política de Alfabetização. Minuta do decreto indica a predominância de apenas um método de ensino, o fônico, e condiciona o recebimento de assistência técnica e financeira à adoção dessa política.
Quando veio à tona, foi criticada. O MEC promete publicar versão final, que já está na Casa Civil, nesta semana.
FASES DA CRISE
As turbulências no MEC começaram ainda no início do ano. Ao tomar posse, Vélez exaltou em discurso a família, igreja e valores tradicionais e disse que a pasta iria "combater com denodo marxismo cultural" na educação.
Em janeiro, o ministro teve que recuar sobre mudanças em um edital de compra de livros que suprimia, como a Folha revelou, o compromisso com a agenda da não violência contra mulheres e ainda permitia obras sem referências bibliográficas e com erros.
Em fevereiro, o ministro enviou carta a cerca de 24 mil escolas com o slogan da campanha de Bolsonaro, que cita Deus, e pedido de filmagem de alunos cantando o hino. O episódio causa grande desgaste e provoca novo recuo. O ministro pede desculpas, retira slogan da carta e depois desiste de pedir envio de filmagens de alunos. O novo capítulo da crise começou no dia 8 de março, com uma dança de cadeiras.
As demissões precisam ser entendidas por fases: 1) O ministro decide trocar pessoas de seu gabinete após paralisia do MEC e repercussão negativa de ações ideológicas. O processo atingiu alunos de Olavo, como o chefe de gabinete Tiago Tondinelli, e o assessor Silvio Grimaldo —que não aceita o novo posto e pede para sair.
2) Olavistas, como Grimaldo e o assessor Daniel Elmer, passaram a coordenar ataques ao ministro e a integrantes ligados aos militares e a técnicos do Centro Paula Souza.
Os dois, por exemplo, iniciaram campanha direto da casa de Olavo, nos EUA, onde estavam em curso durante expediente no MEC, como a Folha revelou. Elmer continua na pasta.3) A pressão olavista chega ao presidente, que exigiu a demissão de quem os olavistas apontavam como culpados por uma suposta perseguição ao grupo, o que inclui militares e técnicos do Paula Souza.
Primeiro saiu o coronel-aviador Ricardo Roquetti e depois o secretário executivo Luiz Antonio Tozi, oriundo do Paula Souza. Para se manter no cargo, o ministro perdeu a autonomia para montar a equipe.
Não conseguiu nomear duas pessoas anunciadas para secretaria executiva. No dia 26 de março, o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Marcus Vinicius Rodrigues, foi demitido ao ser responsabilizado pela portaria que suspendeu a avaliação de alfabetização --ato tornado sem efeito depois. O secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, foi autor do pedido ao Inep, mas aluno de Olavo, foi poupado.
Sem ter ciência da portaria, a secretária de Educação Básica, Tania Leme de Almeida, pediu demissão.
Todo processo rendeu mais de 20 mudanças na pasta. As exonerações não saíram de graça e custaram R$ 171 mil só em ajuda de custo aos demitidos, além de ter comprometido o funcionamento da pasta. Avesso à imprensa, acabou se desgastando ainda mais nas três entrevistas que concedeu.
Chegou a afirmar que o brasileiro é um canibal que rouba aviões e hotéis. Na última fala, defendeu mudanças nos livros didáticos para mudar o entendimento sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Nem os militares gostaram.
A Folha solicita entrevista com o ministro desde dezembro de 2018, mas Vélez se recusou ao longo desses meses. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União quer que o órgão tome providências para apurar as consequências da situação no andamento das políticas públicas da área.
A procuradoria federal ainda recomendou que a pasta se abstenha de praticar atos que violem a laicidade do Estado e a liberdade religiosa dos estudantes, em resposta à carta enviada às escolas.
OPERAÇÃO DA PF
Em novembro do ano passado, a Polícia Federal prendeu o advogado Thiago Taborda Simões. Ele foi apontado como integrante de uma quadrilha que operava um esquema de fraude, sonegação e lavagem de dinheiro que pode ter dado prejuízo de R$ 500 milhões ao Fisco, segundo a PF.
Ex-conselheiro do Carf (Conselho Administrativo da Receita Federal), órgão administrativo que julga processos em segunda instância na Receita, Simões é ligado aos irmãos Abraham, novo ministro da Educação, e Arthur Weintraub.
Durante as buscas da operação batizada Chiaroscuro, os investigadores apreenderam documentos, encontraram uma caixa com maconha e cocaína e um crachá de acesso ao local de trabalho da equipe de transição do governo do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília.
Segundo a operação, a suposta quadrilha funcionava a partir de um escritório de advocacia que atuava em conjunto com empresas laranjas e reais.
Um episódio recente ilustra a proximidade do advogado com os irmãos Weintraub. Foi a Simões que Arthur Weintraub recorreu quando decidiu processar por dano moral uma aluna sua da Unifesp, que o acusou de ser "mau caráter".
Isso apesar de Simões ser tributarista, quando o normal para esse tipo de processo é que fique a cargo de um especialista na área cível.
Procurado pela Folha na ocasião, Arthur não atendeu aos telefonemas. Já Abraham negou que tenha sido o responsável por indicar Simões ao governo de transição de Bolsonaro. "Ele foi advogado da gente num dos casos em que tratamos da perseguição que sofremos na faculdade", disse Abraham.
"A partir da hora em que apareceu esse caso, a gente cancelou todo o relacionamento com ele. Ele não chegou a ser oficializado na transição, que eu saiba", declarou.
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