Opinião: Servidor público não trabalha...
A gestão do ex-governador Pedro Taques serviu para ilustrar muito bem tudo isso.
Por: RepórterMT
Publicado em 14 de Janeiro de 2019 as 17:20 Hrs
É madrugada. O marido acorda assustado com o latido do cachorro do vizinho e o barulho no portão. Levanta rápido e caminha pela casa. O vulto de um desconhecido aparece na cortina da sala e o homem se desespera. Desarmado e sem a menor chance de defesa, liga para a polícia no 190. O atendimento é rápido. A base comunitária fica perto de sua casa e antes que o invasor pudesse forçar a entrada, as luzes da sirene se fazem notar em frente a casa. Em poucos minutos a família pode respirar aliviada. O bandido é levado para a Delegacia de plantão, onde foi autuado. Os policiais militares precisam ficar na Delegacia até serem ouvidos pelo delegado. Lá descobriu-se que esta não era a estreia dele no mundo do crime, reincidente pela décima vez. Quando o sol já começava a esquentar, o bandido se preparava para mais um processo e também para mais uma audiência de custódia que logo poderá resultar em mais uma soltura, mas este é um tema para outro artigo.
Os policiais militares que começaram a trabalhar as 19 horas só deixaram o plantão aquele dia pouco depois das 8h30min, embora o plantão seja de 12 por 48 horas. A demora se deu porque a tentativa de invasão ocorreu quase as 5 horas da manhã e como quem atende o chamado precisa acompanhar a ocorrência até o final na delegacia, não teve jeito. Depois de ter atendido 10 chamadas para averiguação e 7 casos de violência doméstica e o respectivo flagrante, finalmente, 13h30min, depois de iniciado o plantão, eles podem ir para casa com a sensação do dever cumprido, não deixando de observar que servidor público não tem direito a hora extras. Foi mais uma noite de muito stress e mais uma manhã em que o Policial Militar João não conseguiu cumprir o combinado de levar os filhos à escola. Como já tinha se atrasado para o seu compromisso pessoal e a viatura precisava de manutenção, resolveu então, antes de ir para casa, deixar a mesma na oficina.
Perceba que uma única ação envolve uma série de pessoas, neste caso o profissional que atendeu o chamado do morador, os dois policiais militares que atenderam a ocorrência, o policial civil que recebeu o bandido na delegacia, o escrivão que fez a ocorrência e demais atos do cartório e o delegado plantonista que fez as oitivas e concluiu o flagrante. Mas será que estes foram de fato os únicos envolvidos para que esta ação tivesse o desfecho positivo?
Vou neste artigo esmiuçar o trabalho realizado para que aqueles policiais conseguissem efetuar a prisão do invasor.
Temos aqui algumas situações: policiais, viatura, arma e munição, estrutura das Delegacias, bases comunitárias e Comandos da PM e vou ficar apenas nestes quatro pontos, pois são mais do que necessários para você entender meu ponto de vista.
Primeiro Ponto - Policiais: Todos os policias envolvidos naquele chamado precisaram, primeiro, se preparar fazer um curso superior (faculdade), mas para eles estarem aptos naquele dia para atenderem aquele chamado precisaram investir muito tempo nos estudos para passar no concurso, que envolveu uma série de pessoas e setores, conforme abaixo: Comissão Especial, composta por profissionais das diversas áreas envolvidas, que ficou responsável por fazer o levantamento das empresas que fazem concurso na área específica, minuta do edital, definição de diretrizes e necessidades e que fiscalizou o processo até o fim do concurso. Após esses levantamentos, outra equipe técnica providenciou a contratação da empresa que realizou o concurso, mediante um processo licitatório. Esse processo passou por diversos setores, como orçamento/financeiro, aquisições, jurídico, contrato, fiscalização e finalmente o gabinete para homologação do secretário. Após a assinatura do contrato veio o concurso público, que se dá geralmente em 5 fases, demorando mais de ano para conclusão em razão dos prazos que precisam ser respeitados, incluindo o curso formação.
Segundo Ponto – Viatura: Para aquela viatura estar pronta para os policiais atenderem o chamado demandou um processo de licitação para locação ou aquisição de viaturas, que é extremamente complexo porque precisa prever todos os equipamentos e acessórios que uma viatura precisa e ser iniciado por quem conhece a necessidade de cada seguimento da segurança Pública, fazer cotação de preços no mercado, elaboração de edital, definir orçamento/financeiro, jurídico, contrato, contabilidade e fiscalização.
Terceiro Ponto – arma e munição: Embora a aquisição desses itens é realizada por inexigibilidade de licitação é extremamente complexo e depende de autorização do Exército, novamente envolvendo todos os setores já citados e ainda os profissionais da força policial que tem conhecimento técnico sobre o armamento e munição.
Quarto Ponto – Estrutura das unidades policiais: O funcionamento e manutenção de um prédio onde é instalado uma unidade policial envolve uma série de profissionais e antes do prédio estar apto a funcionar também passou por um processo de licitação, que nesse caso envolve equipe de engenharia, que vai elaborar projetos e acompanhar e fiscalizar a obra. Pronta a licitação da obra, enquanto essa é executada, outros processos são demandados para aquisição de mobiliário, equipamentos eletrônicos, condicionadores de ar, link de internet, telefonia, rede lógica, rádio comunicação, material de escritório, limpeza, dentre outros.
Aquele cidadão, embora possa em algum momento ter criticado a polícia e o servidor público, quando se viu em uma situação de risco, imediatamente se lembrou do número 190 e tenho certeza, dificilmente deve ter pensado que a chegada daquela viatura em frente de sua casa teria envolvido o trabalho de tantas pessoas e que se apenas um daqueles setores não funcionasse, aquela ligação não seria atendida e aquela viatura jamais chegaria ao seu destino.
Quando os constituintes em 1988 garantiram a estabilidade ao servidor público, o fizeram para garantir a continuidade do serviço público sem interrupção e sem influência política. Num país onde a corrupção entre os nossos representantes públicos corre solta, a terceirização da mão de obra pode servir de moeda de barganha, como já ocorre naqueles casos em que a legislação já permite a terceirização.
A estabilidade só impede as demissões em massa nas trocas de governo e nas perseguições políticas possibilitando ao servidor tomar as decisões que são necessárias para garantir a licitude dos processos sem levar em consideração o desejo pessoal ou a vaidade dos governantes.
Hoje a corrupção ainda não é maior por conta desses servidores públicos, que ao contrário dos exclusivamente comissionados, se errarem, respondem a processos administrativos, civil e penal por seus atos. O bom nome de cada um é o combustível que tem movimentado a máquina pública, garantindo o zelo pelo melhor funcionamento do seguimento. Ser servidor público não é para qualquer um, é uma vocação, eu diria se tratar de quase um sacerdócio.
A gestão do ex-governador Pedro Taques serviu para ilustrar muito bem tudo isso. Taques chegou e na ânsia de comprovar sua teoria de que nada funcionava no Governo Silval, foi afastando de suas funções servidores altamente qualificados e criou milhares de altos cargos comissionados para colocar os seus apadrinhados que nada conheciam de administração pública, com isso a única coisa que conseguiram foi afundar o nosso amado Estado de Mato Grosso. Você já imaginou isso acontecendo de 4 em 4 anos?
Agora, estamos vivendo os primeiros momentos de mais um novo governo. E o que vejo me preocupa. Diz um ditado que o falar é de prata e o ouvir é de ouro, o que tenho visto são falas que não refletem a realidade da administração publica estadual, penso que este é o momento mais de ouvir do que falar. O governo Taques deixou Mato Grosso tão mal que, na ânsia de encontrar uma resposta para o que vai ser feito, na ânsia de achar um culpado, despreocupadas e irresponsáveis, metralhadoras se voltaram mais uma vez para aqueles que ao longo da história têm carregado o piano para aqueles que chegam apenas tocar e depois vão embora.
Será que o caminho é mesmo falar que o servidor é o culpado? Será que o caminho mais uma vez é colocar a sociedade contra o servidor?
No ano passado depois de ouvir algumas declarações de Mauro Mendes durante a campanha cheguei a questionar num de meus artigos se de fato ele estaria preparado para administrar Mato Grosso, face ao caos que estávamos vivendo. Agora chegou a hora dele provar que de fato era a melhor escolha para o cidadão mato-grossense. Criticar demasiadamente, culpar a gestão passada, arrogância, ser o dono da razão, se sentir o tal, não ouvir ninguém, perseguir os que pensam e tentar anular os que trabalham e que conhecem de fato o Executivo do Estado de Mato Grosso já foi uma receita amplamente manipulada por Taques e não deu certo.
Mauro precisa mostrar que vai caminhar em outra direção, sem isso eu pergunto: o que vem depois do caos?
Sirlei Theis é advogada, especialista em gestão pública
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